Madrugada
Na quietude e escuro galponeiro pelas querências deste Rio Grande adentro, o gaúcho levanta cedo, sabendo que a madrugada reserva momentos especiais. Ele prende um fogo grande, aquecendo a alma e o coração, enquanto coloca água na cambona, preparando um mate com calma e paciência. E nesse ritual sagrado, um verdadeiro santuário onde o passado, presente e futuro, refletem na dança das labaredas que iluminam o galpão.
Ao palmear um porongo, se encontra com suas raízes, com a tradição que passa de geração em geração. Madrugar não e só acordar e levantar cedo, é atender e respeitar um costume que se perpetua desde o tempo antigo. O mate, companheiro inseparável, acompanha seus sonhos, suas saudades e suas esperanças. Nesse momento, tudo parece mais tranquilo, mais verdadeiro, como se o tempo parasse para permitir que ele observe a beleza simples da vida e comungue ensimesmado anseios madrugada afora.
A madrugada, simbiose de silêncio e reflexão, é o prelúdio do dia que se aproxima. Ela antecipa a lida, que empeça sem ao menos ter parido o dia, trazendo a promessa de um novo começo. É nesse instante que o gaúcho se prepara para enfrentar os afazeres, com o tino, tenência e a alma fortalecida pelo ritual madrugueiro.
...Matutando os anseios
Enraizados no coração
Algo que não se apalpa
E escondidos da visão
Nas horas nostálgicas
Permeiam sem direção
Cutucando sentimentos
Que dormitam na solidão
Fogo, cambona e mate
Antigo ritual sagrado
Das madrugadas crioulas
Num cismar enfumaçado
Picumando as ideias
Dos vestígios marcados
E recuerdos doloridos
Na alma aquerenciados
Na quietude pampeana
O minuano assoviando
Trazendo seus mistérios
Pelas frinchas adentrando
Costeando as saudades
Que vão se rebolcando
Com a ilusão do querer
Mas a razão sujeitando...