Arrastando Água e Vida
Nas quebradas do pago, quando o sol amanhece quente barbaridade, a gente já sente no couro que a terra anda pedindo alívio. É aquele calorão, desses que fazem o horizonte tremelicar como se embaçasse a mirada de tropeiro cansado. O campo, sem um pingo de piedade, vai ficando amarelado feito o ar parecendo que ferve por cima das macegas.
Os poços, mostram o fundo antes da hora, e o açude da frente da casa vira quase um charco, onde até o sapo pensa duas vezes antes de atolar. A sanga velha, que sempre foi parceira nas tréguas do verão, torna-se um lamaçal.
É nessas horas que a gente lembra da cacimba escondida lá no pé da coronilha, um fio de vida guardado num canto de sombra. Ir até ela é quase um ritual dos antigos: ajeitar a pipa, e com petiço piqueteiro firmar o passo na trilha poeirenta e seguir no compasso da necessidade e da esperança. Cada ida parece puxar junto a alma da gente, como se a água soubesse que está carregando mais que refresco; leva junto a teimosia do vivente que não desiste.
E assim se vai: arrastando água como quem arrasta o próprio viver. A cada gole que chega, a casa respira, os animais agradecem, e o coração do peão aquieta um pouco. A água vai e volta, sempre cumprindo seu destino. A vida também vem, passa, recomeça. No fim das contas, é tudo um ciclo: a estiagem prova, a água salva, e o campo renasce, tal qual a gente, que insiste em florir mesmo no solo mais seco.
...A água escasseou no poço
No açude defronte as “casa”
Formou-se até um lamaçal
E a sanga velha ficou rasa
A salvação é a cacimba
Lá no pé da coronilha
Donde se arrasta água
“Despacito” pela trilha
Arrastando água e vida
Vida e água que passou
Água que chega e parte
Vida que se renovou...
Matéria: João Luís de Almeida
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