Na Lida Com o Gado
Era manhã clara de primavera, dessas em que o céu se veste de nuvens miúdas e a brisa campera sopra mansa pelas coxilhas. Do potreiro vinha o canto de uma calhandra, misturando-se ao alvoroço da tropa que se estendia rumo à mangueira. Entre berranças e terneiros retouçando, a vida campeava no compasso da lida.
Na volta, o campeiro, atento, ia chuleando firme, enquanto a cuscada, com latidos e investidas, ajudava com a gadaria arisca. Sobre uma tordilha ligeira, me via atravessando o campo, atropelando as manhas dos bois velhos, que conhecem cada brete antes mesmo de nele entrar.
Na porteira, o compadre ajeitava refugo com destreza, enquanto outro, de olho vivo, ia mangueando junto ao brete. Cada um sabia seu papel: uns pechando para destroncar , outros mergulhando a rês com o gancho, e assim a lida se costurava como se fosse música de acorde pampeano.
No meio do poeirão, touros em peleia, peçunhando o chão como quem desafia a própria terra. A bicharada, assustada, se espalhava num rebuliço que só aumentava o labor dos homens.
E, no fim, quando o gado já se via embretado, restava o orgulho sereno dos campeiros: a certeza de que a destreza não é só ofício, mas herança entranhada na alma. Pois nesse chão, cada pontear de trabalho é também um gesto de amor à querência.
...“Manhazita” linda de primavera
Nuvens espalhadas no céu fronteiro
A brisa suave por lá pairava
Uma Calhandra cantava no potreiro
A tropa estendida pra mangueira
Uma berrança e terneiros retouçando
Um zebu avança num ovelheiro
O campeiro na volta chuleando
Eu enforquilhado numa tordilha
Atropelando a gadaria matreira
A cuscada com pegões e latidos
Vão dando sentido, a lida campeira...